Musa,
sinceramente, vai chatear o Camões.
Que
podem os poetas, diz-me, contra marketeers,
aguados
humoristas e outros promotores
da
realidade? Eu sei que não identificas real
com
verdadeiro, nem sequer com existente,
mas
que valor pode ter uma metáfora sem preço,
por
brilhante que seja, neste mundo de gritos,
de
sementes apagadas em lameiros de cimento?
Tu
não vês o telejornal, Musa? Nunca ouviste
falar
da impermeabilização dos solos na cidade
de
Deus, do entupimento das artérias cerebrais?
Pensas
que estás no século XIX? Mais, julgas-te
capaz
de competir com traficantes de desejos,
decibéis
e abraços? És capaz de fazer rir um
desempregado,
de excitar um espírito impotente?
Consegues
marcar golos «geniais» como o Ricardo
Quaresma,
proteger do frio as andorinhas,
transportar
as crianças à escola? Se achas que sim,
faz-te
à onda do mercado, Musa, e boa sorte.
Mas
não contes comigo pra te levar à praia.
Sabes
perfeitamente que detesto areia, sol
na
testa e mariolas de calção. Vá, não me maces.
Pela
parte que me toca, ficamos por aqui.
poema: “Musa,
sinceramente”
autor:
José Miguel Silva (1969-)
obra: Ladrador, Averno, 2012
voz: Ana
Celeste Ferreira
ilustração inspirada no poema: Ricardo Campus
captação e edição sonora: Ricardo Caló
Uma grande dizedora para um grande ladrador :-)
ResponderEliminarOu verse-virsa! :) :) :)
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